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Criar Coragem Para Caminhar - Intervenção de Fronteira Livre da imigração

Uma intervenção artística que transformou as estações de metrô em território de resistência


No metrô lotado, as barreiras são muitas, mas algumas são invisíveis. As faixas estavam lá, bem diante dos olhos. Quem leu, entendeu. Quem ignorou, seguiu viagem.

A cidade nos dá sinais, mas quem presta atenção?

A vida segue entre empurrões na Sé, passos rápidos na Barra Funda e filas sem fim no Brás. Quem pega o metrô na linha vermelha de São Paulo já decorou o trajeto: as estações, os rostos cansados, o peso da rotina esmagado nos trilhos. Mas, em 2017, algo diferente aconteceu. Entre um cartaz publicitário e outro, mensagens misteriosas surgiram no meio do caminho.

Não eram alertas sobre lotação. Nem mais uma campanha para evitar furtos e assaltos. Eram bandeiras. Frases curtas, padrões geométricos. Vozes caladas que finalmente falavam.

Era o Fronteira Livre, uma intervenção artística na 11ª Bienal de Arquitetura de São Paulo. O projeto transformou seis estações da linha vermelha do metrô em território de resistência, trazendo para o concreto da cidade os muros invisíveis enfrentados por imigrantes que chegam ao Brasil.

Mas será que alguém notou?


São Paulo, terra de ninguém ou terra de todos?

Imigrar é mais do que cruzar uma fronteira. É descobrir que as barreiras não param no passaporte. Depois da chegada, vêm os desafios: idioma, trabalho, moradia, preconceito. As portas se fecham, os olhares desviam, a cidade cobra sua parte.

Foi sobre isso que um grupo de imigrantes bolivianos, peruanos, angolanos, haitianos e congoleses refletiu durante uma oficina de dez dias no Centro de Apoio ao Imigrante (CAMI). A pergunta era simples: onde na sua vida você encontra uma fronteira? Mas a resposta vinha em camadas, como um labirinto sem saída.

A oficina foi dividida em três fases:

  • História do Eu – Cada participante compartilhou sua experiência pessoal com fronteiras.
  • História do Nós – Descobriram os pontos em comum entre suas trajetórias.
  • Era um trabalho coletivo, de imigrantes e artistas, para falar sobre a cidade que os acolhe, mas nem sempre os enxerga.

Arte ou resistência? As bandeiras no metrô

Quando o projeto saiu do papel e entrou no fluxo diário de 4,7 milhões de passageiros, a cidade mudou um pouco, ainda que por um curto espaço de tempo. As faixas surgiram nas principais estações da linha vermelha – Barra Funda, República, Sé, Brás, Tatuapé e Itaquera.

Mas não eram só pedaços de tecido. Eram testemunhos, denúncias e símbolos de uma São Paulo que cresce e se expande, mas mantém barreiras invisíveis.

A comunicação da intervenção foi feita por meio da tradução intersemiótica – um processo que converte palavras em imagens, sentimentos em símbolos, história em identidade visual. Os padrões geométricos, além de chamarem a atenção pelo design, carregavam os significados das experiências compartilhadas.

O medo foi transformado em linhas instáveis.

A esperança surgiu em formas contínuas e expansivas.
A invisibilidade se revelou em cores apagadas e simetrias quebradas.
Cada faixa, um grito. Um chamado silencioso em meio à pressa do metrô.

O que a arquitetura tem a ver com imigração?

A 11ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, sob o tema Em Projeto, foi mais do que uma exposição de maquetes ou debates sobre urbanismo. Ela trouxe à tona um conceito fundamental: a cidade é um organismo vivo, moldado por todos que nela transitam.

Mas e quando esses corpos que constroem a cidade não têm direito à cidade?

O Fronteira Livre questionou isso. Ao colocar os relatos de imigrantes no coração do transporte público, a intervenção evidenciou que as barreiras da imigração não são apenas políticas. São sociais, econômicas, culturais. E, muitas vezes, arquitetônicas.

Afinal, quem tem direito ao espaço urbano? Quem pode circular livremente sem ser visto como um estranho? Quem pertence?

As respostas estavam ali, nas bandeiras, esperando por um olhar atento.

Um projeto coletivo, um impacto silencioso

O Fronteira Livre foi uma construção de muitas mãos. Artistas, arquitetos, ativistas e imigrantes uniram forças para materializar uma ideia que não se prende a fronteiras.

A iniciativa contou com:

Coordenação: Maria Cau Levy, Gabriela Forjaz e Alexander Eriksson Furunes (Goma Oficina).

Concepção: Lucy Bullivant, Maria Cau Levy e Alexander Eriksson Furunes.

Parcerias: Centro de Apoio ao Imigrante (CAMI), Goma Oficina, Metrô de São Paulo, CPTM e FAU-Mackenzie.

Apoio financeiro: Ministério Norueguês dos Negócios Estrangeiros e o Programa Norueguês de Pesquisa Artística.

O impacto da intervenção foi sutil, mas importante. Não se tratava apenas de uma obra artística, mas de um registro urbano, uma marca temporária de uma luta constante.

A cidade ainda vê essas fronteiras?

Os cartazes do Fronteira Livre foram retirados. O metrô voltou à sua rotina acelerada. Mas será que as mensagens desapareceram? Ou ficaram na memória de quem passou por elas?

A verdade é que os muros continuam de pé, mas os que os atravessam também. A imigração não é um fenômeno passageiro – ela constrói, reconstrói e redefine São Paulo a cada dia.

Talvez as barreiras permaneçam invisíveis para muitos, mas os que sentem sua existência seguem lutando para derrubá-las.

E a cidade? Continua mandando sinais. A pergunta é: você está prestando atenção?

História do Agora – Transformaram seus relatos em mensagens visuais e textuais, que foram impressas em faixas e expostas no metrô.

FONTE:

https://www.archdaily.com.br/br/888812/fronteira-livre-intervencao-artistica-nos-metros-de-sao-paulo-aborda-tema-da-imigracao

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