O Grafite Esquecido e a Busca por Seus Criadores no Vale do Anhangabaú. Entre prédios, sombras e paredes pintadas, um encontro inesperado com a arte urbana
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"Papai Noel Existe e É Mendigo" – Grafite urbano sob o Viaduto Santa Ifigênia, capturado por Manay/Elidio Santos. Uma crítica social silenciosa em meio ao concreto. |
Na rotina de um trabalho ingrato, um grafite do "Papai Noel mendigo" no Viaduto Santa Ifigênia marcou o olhar de Manay. Mas quem eram Nino, Smit e Raone?
O Primeiro Trabalho e a Cidade que Engole
A primeira experiência profissional de Manay, encarnado por Elidio Santos, aconteceu em um pequeno escritório de telemarketing na Rua Formosa, em pleno Vale do Anhangabaú, centro de São Paulo. Enquanto lidava com cobranças e clientes insatisfeitos, a cidade ao redor desenhava sua própria narrativa: a Praça do Correio, os moradores em situação de rua, a sujeira acumulada, os prédios imponentes, e um prostíbulo ao lado do escritório, onde o comércio do corpo acontecia sem rodeios.
Certa noite, enquanto tentava acender um cigarro, Manay recebeu um convite inesperado de uma profissional do sexo. Recusou. Mas aquela cena, como tantas outras, ficou gravada.
O Grafite na Pilastra do Viaduto Santa Ifigênia
O deslocamento entre trabalho e casa virou um exercício de observação. Fotografar, capturar fragmentos urbanos, criar um acervo de instantes. E foi assim que Manay encontrou o grafite do Papai Noel mendigo, em uma das pilastras do Viaduto Santa Ifigênia, um marco arquitetônico de 1913.
A cena desenhada na parede gritava ironia e crítica social. O bom velhinho, que deveria simbolizar alegria e prosperidade, estava ali, desamparado, marginalizado, abandonado nas ruas de São Paulo.
Ao lado do desenho, assinaturas enigmáticas: Nino, Smit e Raone. Quem eram?
A Busca pelos Artistas: Nino, Smit e Raone
Determinado a creditar os grafiteiros, Manay mergulhou na internet. Inicialmente, o Google não ajudou. Mas com o avanço da inteligência artificial e ferramentas como GPT e DeepSeek, alguns nomes começaram a emergir.
Nino
Existe um artista chamado Nino na cena do grafite em Frankfurt, Alemanha. Mas seria o mesmo? Os registros sobre um Nino paulistano são escassos, reforçando a natureza efêmera e, às vezes, anônima da arte de rua.
Smit
Mais rastreável, Smit tem um estilo marcado por letras robustas e cores vibrantes. Suas obras aparecem em várias regiões de São Paulo, contribuindo para a diversidade estética dos muros da cidade. Seu trabalho pode ser encontrado em suas redes sociais.
Raone
Dono de um traço expressivo e cores fortes, Raone também se destaca na cena paulistana. Suas obras exploram temas sociais e culturais, criando narrativas visuais impactantes. Assim como Smit, Raone usa plataformas digitais para divulgar sua arte.
Local: Terminal Praça do Correio,
sob o viaduto Santa Ifigênia
Da Foto Engavetada ao Livro Pior do Que o Tédio
A fotografia do Papai Noel mendigo ficou esquecida nos arquivos de Manay, até ressurgir no processo de criação de seu livro Pior do Que o Tédio: Volume I – Concreto, Poluição e Poesia.
O compromisso de credenciar os artistas foi o que impulsionou a investigação. No fim, a busca revelou mais do que nomes: trouxe à tona uma discussão sobre memória, invisibilidade e arte urbana.
Afinal, quantos grafites não desaparecem sob camadas de tinta sem que ninguém os tenha registrado?
O que dizem as mensagens no grafite?
Se observar com atenção, o grafite não apenas apresenta uma imagem impactante, mas também traz mensagens flutuantes, como ectoplasmas de balões de fala de quadrinhos. Escritas em inglês, essas frases parecem fragmentos de pensamentos soltos, diálogos interrompidos ou um fluxo de consciência caótico.
Abaixo, a reprodução das mensagens originais e suas traduções:
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Ectoplasmas de grafite: diálogos invisíveis pairam sobre o concreto. |
Mensagens no grafite:
I dig bowling, horse racing, playing cards at the same time. I believe in nimbus space.
(Eu gosto de boliche, corridas de cavalos e cartas ao mesmo tempo. Acredito no espaço nimbado.)
How can I reach home?
(Como posso chegar em casa?)
What did you say? Gotta tag our power pack. Flux = reflux at the bathroom.
(O que você disse? Preciso marcar nosso pack de energia. Fluxo = refluxo no banheiro.)
Oink, oink, oink. Only mature reactions. Keep going.
(Oinc, oinc, oinc. Apenas reações maduras. Continue indo.)
Love me. You're the only one. Love all night.
(Me ame. Você é o único. Ame a noite toda.)
As frases são como transmissões fragmentadas de um universo paralelo ou pensamentos desconectados de um narrador invisível. A pergunta "Como posso chegar em casa?" traz um sentimento de deslocamento, que pode ser interpretado como um clamor existencial ou um eco de alguém perdido na cidade.
As frases são como transmissões fragmentadas de um universo paralelo ou pensamentos desconectados de um narrador invisível. A pergunta "Como posso chegar em casa?" traz um sentimento de deslocamento, que pode ser interpretado como um clamor existencial ou um eco de alguém perdido na cidade.
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