Como o cimento de Perus ergueu memórias de luta e resistência na periferia paulistana.
Entre ruínas e poeira, Piorzinho encontra o SACIEM, um misterioso saco de cimento empedrado que narra a história da greve mais longa da América Latina. Uma aula de luta de classes direto das entranhas de Perus.
A Chegada de Piorzinho à Fábrica: "Pegue carona na luta"
Era um dia como tantos outros, cinza como o horizonte de São Paulo, quando Piorzinho, sempre em busca de uma nova narrativa para desconstruir o tédio, pegou carona em um caminhão peculiar.
O veículo parecia saído de um sonho surreal: carregava sacos de cimento, mas cada saco parecia murmurar um segredo. No comando, um motorista mudo e atento levou Piorzinho até as ruínas da fábrica de cimento Portland, em Perus. Ali, entre escombros e memórias esquecidas, ele encontrou SACIEM – o Saco de Cimento Empedrado.
"Você é um viajante ou apenas mais um entulho da cidade grande?", provocou SACIEM, sua voz rouca ecoando entre os pós do passado. "Se está aqui, é porque tem algo a aprender. Permita-me contar a história de como este lugar viu a resistência nascer entre seus tijolos e cal."
E assim, Piorzinho se sentou sobre um pedaço de concreto, pronto para ouvir o relato do personagem mais improvável que já cruzara seu caminho.
Quando o Cimento Ergueu Braços: A Origem dos Queixadas
SACIEM começou sua narrativa descrevendo o auge da fábrica de cimento Portland, inaugurada em 1926, que fornecia o material essencial para erguer Brasília e alimentar os sonhos de desenvolvimento do Brasil. Mas por trás desse progresso, escondia-se a exploração brutal dos trabalhadores.
Quem são os queixadas?
"Eles nos chamavam de Queixadas, sabe por quê? Porque não abaixávamos a cabeça para patrões nem fábricas", disse SACIEM, suas palavras impregnadas de orgulho e poeira. "Foi aqui, nos becos periféricos de Perus, que o trabalhador brasileiro provou que tem coragem e não aceita tudo como dizem os donos do poder."
Os Queixadas iniciaram sua luta em 1962, liderados por figuras como João Breno Pinto, Sebastião Silva de Souza (o "Seu Tião") e Zacarias Oliveira. Era uma luta pelo básico: condições dignas de trabalho, salários justos e respeito.
A Estratégia da Firmeza Permanente
"Não foi uma greve qualquer", continuou SACIEM, enquanto pequenas pedras caíam de sua embalagem envelhecida. "Mário Carvalho de Jesus, advogado sindical, trouxe a ideia de uma resistência que não usasse armas, mas sim a "Firmeza Permanente" – uma estratégia de não-violência ativa. Cada trabalhador tornou-se uma muralha de cimento contra a opressão."
A greve durou nove anos – de 1962 a 1972 – a mais longa da história da América Latina. Mesmo diante da repressão militar, prisões e torturas, os Queixadas permaneceram firmes. "Eles diziam que íamos desmoronar como concreto velho, mas cada dia de luta nos fazia mais fortes", disse SACIEM.
O Cimento de Perus e o Sonho de Brasília
"Você sabia que o cimento daqui ajudou a construir Brasília?", perguntou SACIEM. "Mas enquanto os palácios surgiam no Planalto, os trabalhadores daqui mal tinham um teto para chamar de seu. Erguemos o sonho nacional com nossas costas curvadas e pulmões cheios de pó."
A contradição entre o progresso monumental de Brasília e as condições subumanas dos operários de Perus tornou-se um símbolo da desigualdade no Brasil.
"Firmeza Permanente": Uma Luta para Nunca Esquecer
"Nós não paramos apenas por nós mesmos", disse SACIEM. "Queríamos mostrar ao mundo que a periferia tem voz, que trabalhadores têm força, e que nenhuma exploração deve passar impune."
Os Queixadas foram perseguidos, mas não esquecidos. Suas memórias ecoam em cada pedra da antiga fábrica, em cada morador de Perus que ainda conta essa história.
A Visão de Piorzinho: Resistência Concreta
Enquanto SACIEM terminava sua narrativa, Piorzinho sentiu a força daquele lugar. Ele entendeu que a greve dos Queixadas não era apenas um evento histórico; era um manifesto vivo contra a exploração e o silenciamento.
"A resistência é como o cimento", pensou Piorzinho. "Se bem misturada, endurece e se torna indestrutível."
Antes de partir, ele olhou para SACIEM, que já parecia mais leve, quase como se tivesse descarregado anos de peso. "Obrigado por me lembrar que mesmo nas ruínas, a luta continua viva."
E assim, com poeira nos sapatos e novas histórias para contar, Piorzinho deixou a fábrica de cimento em Perus, levando consigo a certeza de que as maiores estruturas são erguidas não por concreto, mas pela coragem coletiva de quem resiste.
Legado de Cimento e Luta
A greve dos Queixadas é um testemunho de que a periferia de São Paulo é berço de resistência e organização.
Para quem cruza as ruínas da fábrica de Perus, que cada pedaço de concreto sirva de memória e inspiração: nunca subestimem os que trabalham com as mãos, porque são eles que levantam os sonhos e as muralhas contra a injustiça.
Relicário de Concreto: Um Espetáculo de Memórias e Lutas
Apresentado pelo Grupo Pandora de Teatro, Relicário de Concreto é uma obra inspirada nas histórias dos trabalhadores da Fábrica de Cimento Portland Perus e na emblemática Greve dos Queixadas. Estreado em 2013 no CEU Perus, o espetáculo já percorreu mais de 90 apresentações, incluindo uma marcante performance em fevereiro de 2017 na Ocupação Artística Canhoba - Cine Teatro Pandora.
Sinopse:
A peça narra a jornada de um jovem em busca de emprego na fábrica de cimento, que se encontra imerso em uma atmosfera onírica e repleta de memórias.
Entrelaçando o passado dos Queixadas e os desafios contemporâneos, o espetáculo aborda questões universais de trabalho, resistência e identidade. Passado e presente se fundem poeticamente, explorando a dualidade entre o Queixada, símbolo da resistência, e o Pelego, metáfora da submissão, em uma rede de relações complexas e fragmentadas.
Sinopse:
A peça narra a jornada de um jovem em busca de emprego na fábrica de cimento, que se encontra imerso em uma atmosfera onírica e repleta de memórias.
Entrelaçando o passado dos Queixadas e os desafios contemporâneos, o espetáculo aborda questões universais de trabalho, resistência e identidade. Passado e presente se fundem poeticamente, explorando a dualidade entre o Queixada, símbolo da resistência, e o Pelego, metáfora da submissão, em uma rede de relações complexas e fragmentadas.
Nota:
A filmagem do espetáculo pode não capturar com total precisão os ricos jogos de sombra e luz que compõem sua estética, mas ainda traduz a essência lírica e visual desta obra teatral.Porcos e Perus - A Resistência dos Queixadas e a Maior Greve do Brasil
O documentário Porcos e Perus - Uma História em Extinção revive a trajetória dos Queixadas, grupo sindical que atuou na Fábrica de Cimento Portland Perus e protagonizou a maior greve da história do sindicalismo brasileiro, com duração de sete anos (1962-1969). Por meio de depoimentos de ex-operários, familiares e estudiosos, a produção resgata a memória de uma luta marcada pela influência da esquerda católica e pelos ideais gandhianos de não-violência. Os Queixadas buscavam, além de condições dignas de trabalho, a autogestão da fábrica, fazendo de sua greve um símbolo de resistência operária.
Produzido 40 anos após o término da greve, em 2009, como Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, o documentário assinado por Nathalia Pazini, Raquel Porangaba, Rodrigo Vinagre e Talita Xavier é uma peça essencial para manter viva a memória de uma das mais emblemáticas lutas do movimento sindical no Brasil.
Bumba Meu Queixada: A Voz da Resistência em Música
A luta dos Queixadas também ecoou na arte. O Teatro Popular União e Olho Vivo imortalizou essa história com a música Bumba Meu Queixada, escrita por José Maria Giroldo e César Vieira. A canção narra, de forma poética e combativa, a força dos operários de Perus, que, unidos como um bando de queixadas – o porco selvagem símbolo de sua resistência –, enfrentaram uma "briga danada" contra a opressão:
"Teve uma greve no 'cidade' de Perus
Onde os operários, sabedores dos seus direitos
Assinaram em cruz.
Foi uma briga feia, durou dezena e meia
Uma briga danada, e os operários
Chamavam Queixada."
Tanto o documentário quanto a música são marcos que preservam o legado de coragem e organização dos trabalhadores, lembrando que suas conquistas foram construídas com suor, solidariedade e uma visão de futuro que permanece inspiradora.
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