As Cruzadas Poéticas de Elidio Santos, Ortonimo Criador do Heterônimo Criativo Manay Deô, são uma jornada interativa pela poesia, pelo concreto e luta contra o esquecimento.
As Cruzadas Poéticas de Elidio Santos, ortonimo criador do heterônimo Manay Deô, são uma jornada interativa pela poesia, pelo concreto e pela luta contra o esquecimento.
O que é pior do que o tédio para você?
Para Elidio, essa pergunta não era apenas filosófica – era pessoal. A resposta veio de sua própria experiência como teleoperador em uma multinacional espanhola de telemarketing, no centro velho de São Paulo. Ali, entre ligações intermináveis, cobranças e um ambiente opressor, ele encontrou no tédio uma matéria-prima para criar algo maior: uma obra que desafia convenções e convida o leitor a interagir, questionar e se libertar.
Pior do Que o Tédio é uma trilogia de livros-objetos que materializam as Cruzadas Poéticas de Manay Deô. Essa jornada literária começa no primeiro tomo, Volume I: Concreto, Poluição e Poesia, e apresenta ao público narrativas poéticas que rompem fronteiras entre gêneros e linguagens. A fusão criativa incorpora palavras-cruzadas, charadas, puzzles, quebra-cabeças, easter eggs, HQs e desafios narrativos que provocam o olhar e a imaginação.
Entre poesia e passatempos, forcas (e não força) e enigmas urbanos, o leitor se torna peça essencial desse jogo literário e lúdico.
Nesta criação, Elidio Santos constrói uma narrativa poética que confronta o tédio do trabalho, os desejos não realizados e os golpes do cotidiano. Ao longo da jornada, surgem personagens como Piorzinho, Forquinha e Homem de Gelo Seco, entre outros, que dão voz a essa história, transformando a realidade em poesia, o escapismo em experiências interativas e as intervenções urbanas em expressões artísticas.
QUANDO O PIOR COMEÇOU...
A obra começou a ser escrita quando o próprio autor, Elidio Santos, reconheceu seu eu-lírico poético em um de seus momentos mais derradeiros – e piores – de vivência proletarizada: trabalhava como teleoperador em uma multinacional espanhola de telemarketing, em uma de suas filiais no centro velho de São Paulo.
A repetição de ligações ininterruptas, receptivas e ativas (eu ligando e recebendo chamadas) para cobrar clientes devedores de uma proeminente instituição bancária, o cansaço mental, as picuinhas infundadas entre teleoperadores desgastados e sem perspectivas – que haviam entregado suas vidas ao caos da central –, transformavam cada metro quadrado daquele espaço. Cada Posto de Atendimento (P.A.) – ou baia, como chamávamos, pelas duas placas de madeira que nos separavam, obrigando-nos a encarar apenas a tela do computador – era um confinamento sem grades, mas com barreiras invisíveis.
A interface do sistema, semelhante a um MS-DOS rudimentar, lembrava as telas verdes com caracteres e códigos do filme Matrix.
“Mas não éramos Neo. Na central, Morpheu não estava lúcido. Entocaram o coelho branco com um headset, cadeira giroflex nada ergonômica e barata e computador amarelado. Morpheu e Coelho eram apenas mais números de teleoperador nível I – e eu também.”
O pior? Isso se repetia nos demais andares daquele prédio espelhado próximo à Praça da República. Quando descíamos em outros andares e acessávamos outra operação, era quase uma viagem pelo multiverso da loucura. Tinha operação de venda de cartão de loja popular, operação de SAC de alguma empresa, operação de cobrança de carnê de loja (nada) popular... Cada andar, uma realidade que partilhava do mesmo contexto: ligação, repetição, degradação.
“Para não enlouquecer, criei meus refúgios. Entre um script de cobrança e outro, observava a paisagem degradada dentro da central – a mesma mesmice industrial de sempre – e, lá fora, o centro caótico da cidade, visto por uma janela suja, onde a poeira acumulada e as fezes de pombos transformavam qualquer paisagem numa aquarela de decadência. A cidade era cinza, mas meu tédio era ainda maior. Um tédio com T maiúsculo, como o da música da Legião Urbana, que se tornou parte da trilha sonora dessa história.”
Foi nesse cenário que nasceu o primeiro esboço das Cruzadas Poéticas. No papel, nas brechas de tempo, nos instantes roubados do relógio da empresa.
“Eu me perguntava: se a rotina já me enforcava, por que não transformar isso em um jogo de forca? Se tudo era cobrança, por que não cobrar da cidade suas histórias apagadas? Entre as vozes repetitivas do call center, busquei minha própria voz. E encontrei. Encontrar-se foi o primeiro passo para escrever Pior do Que o Tédio.”
[Inserir imagem do caderno de páginas recicláveis, primeiro esboço do que seria o “Pior do Que o Tédio”]
Na introdução do Volume I, Elidio conta que esse escapismo poético tinha um custo. Advertências verbais e por escrito. Ser poeta não combinava com aquele ambiente. O tédio criativo morria, dando lugar ao pior do que o tédio: o tédio de uma rotina de trabalho mecânica, repetitiva, alienante. Uma vida que não permitia pensar, apenas pesar.
O PIOR DO QUE ACONTECIA COM TODO TELEOPERADOR
Elidio Santos era um péssimo funcionário, por isso era punido. É o que se pode concluir com certa razão, afinal, quem mesmo quer ser um teleoperador quando crescer? Seja lá o que é crescer. Sim, era um péssimo teleoperador. Como tantos, derrubava ligação, xingava cliente no mudo, ia embora pra casa trocando injúrias de mau atendimento com outros teleoperadores – inclusive, Elidio desenvolveu o faro em saber quem é teleoperador só de ouvir o papo da pessoa no trem e no busão.
Porém, mesmo aqueles tidos como “bons funcionários”, caxias, que não chegavam atrasados – isso Elidio era perspicaz em também não ser – sofriam punições severas. Podia demorar mais, mas não tardava em serem punidos.
“Lembro nitidamente o caso da teleoperadora Edileuza (nome fictício para preservar a pessoa real). Funcionária antiga, da primeira leva de teleoperadores daquela central, quando a multinacional desembarcou no país e, por um breve período, era razoavelmente bom trampar lá, pois pagava até que bem para os parâmetros da época. Era já uma mulher de seus 50 anos, com seu salário e comissões conseguia até financiar a faculdade da filha – algo que se orgulhava muito em dizer. Mérito, exemplo e, sim, alvo de vil invejas, sobretudo pelo salário base que era maior em relação aos teleoperadores que entravam depois, quando a profissão já não era mais uma coqueluche, se é que um dia foi.”
Pois um belo-feio dia, daqueles que se diz acordar de calça jeans, Edileuza estava P da vida. E foi fazer uma ação catártica, feita por todos, que era xingar o cliente chato de tudo quanto é nome até a terceira geração, além da mãe, pai e espírito santo... só que com o botão de mudo ativado no telefone Avaya que ficava na P.A./Baia de cada um. Mas, nesse bendito-satanás dia, o dedo de Edileuza deu aquela resvalada, aquela faseada, aquela curva de rio, que não ativou o mudo. A cliente – que estava atentamente P da vida – ouviu. Edileuza tentou reverter, não deu certo. A cliente ouviu direitinho ser chamada de “Ca-Lo-Tei-ra” com todas as sílabas que a gramática que a gente odeia ter que aprender na escola.
“Fim e resumo da história: Edileuza foi demitida. E, pela santa intervenção de um supervisor com um pingo de empatia, não foi por justa causa – por pouco. Conta-se que Edileuza, já com seus 50 anos de idade nas costas, sem formação universitária, descartável e velha para o mercado, só encontrou os braços de uma única profissão: foi ser teleoperadora em outra central de call center de outra empresa, agora recebendo a ninharia que todos recebem. Nenhuma boa ação fica sem punição.”
O AMBIENTE DO TELEMARKETING: UM ESPAÇO PARA O PRECARIADO
O telemarketing era um microcosmo da sociedade. Ali, Elidio conviveu com pessoas de todas as origens: periféricos que viajavam horas para chegar ao trabalho, membros da comunidade LGBTQIAP+, mulheres negras e mães solo. Essas pessoas, muitas vezes marginalizadas, encontravam no telemarketing um espaço precário, mas que, de alguma forma, as acolhia.
“Se hoje eu não detenho a estranheza nem o preconceito com pessoas da sigla, é por conta do espaço do telemarketing. Mais mérito das relações humanas e de afeto que ali disputavam lugar com as metas e cobranças.”
UMA EXPERIÊNCIA LITERÁRIA INTERATIVA
Pior do Que o Tédio atravessa a precarização do cotidiano, os enigmas urbanos e os rastros esquecidos das ruas de São Paulo. Elidio, ao longo dessa jornada de feitura do PQT, passou por diversos percalços que impediram que a obra fosse jogada ao mundo.
Entre desempregos, desesperos, procrastinação, preguiça, tédio criativo, roubo do notebook e HD (quando Elidio era precarizado trabalhando como redator publicitário numa concessionária de carros usados), apagamento “sem querer” em uma limpeza de disco de rotina e também umas e outras desculpas esfarrapadas... ufa!
O livro tornou-se, enfim, possível graças à ajuda, camaradagem, criatividade e olhar crítico de amizades alicerçadas durante essa loooooooonga jornada até as Cruzadas Poéticas de Manay Deô, heterônimo criativo de Elidio Santos, se consolidarem como uma jornada interativa pela poesia, pelo concreto e pelo esquecimento.
Entre os amigos:
Flavio Lucio – passageiro crítico e criativo dessa jornada. Amigo sincero, sem papas na língua, mas com a compreensão necessária, foi convencido por Elidio a ser seu Editor-Revisor. Além de jornalista crítico-criativo, teve suas peripécias e aventuras literárias, escrevendo e vendendo suas obras de forma artesanal e na guerrilha nas ruas do centro da capital paulista. Existem outros motivos dele ocupar essa missão, mas, por enquanto, é o que cabe reverenciar sua presença.
Anderson Prado – Consultor de Projetos Narrativos, também poeta, radialista de formação, o amigo feito em um outro contexto de proletário-precarizado, emprestou seu olhar imaginista para dar à obra as ferramentas necessárias para que fosse muito além de um livro-objeto, mas um projeto audiovisual que poderá se desdobrar em uma infinidade de outras histórias e experiências. Anderson possibilitou que o Pior do Que o Tédio fosse A Cruzada Poética de Elidio Santos para emancipação, conceituação de seu multiverso de outros heterônimos além de Manay Deô: Solenildo, Aristiliano, Aster Yrota e Canistro Balthamos.
Essa rede de apoio foi fundamental para que Elidio consolidasse as Cruzadas Poéticas de Manay Deô, seu heterônimo criativo, e desse vida a personagens como Piorzinho, Forquinha e Homem de Gelo Seco, que hoje habitam o multiverso literário de Pior do Que o Tédio.
O LEGADO DE ELIDIO SANTOS
Pior do Que o Tédio é mais do que uma obra literária – é um testemunho da resistência criativa de Elidio Santos. Uma prova de que, mesmo nos ambientes mais opressivos, é possível encontrar beleza, poesia e significado.
Se você quer conhecer uma história que une arte, crítica social e interatividade, mergulhe nas páginas de Pior do Que o Tédio. Descubra como Elidio transformou o tédio em arte e como sua jornada pode inspirar você a encontrar sua própria voz, mesmo nos lugares mais inesperados.
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