Descubra a história por trás do icônico piso paulistano e sua criadora, Mirthes Bernardes.
O Piso Paulistano – Um Ícone Esquecido Sob Nossos Pés
Passo a passo, pé com pé, equilibrando-me nos ladrilhos pretos da calçada, como quem brinca de não pisar nas linhas. Um gesto quase involuntário, que muitos já repetiram, sem nem notar os detalhes do piso sob seus pés.
Até que algo raro acontece: uma moeda de um centavo repousa no centro do mosaico preto e branco, perfeitamente encaixada no desenho estilizado do mapa de São Paulo.
Sorte ou azar encontrar uma moeda dessas? Dizem as regras metafísicas do universo paulistano que, depois de achar dinheiro no chão, só daqui a cinco anos se encontra outra. Mas essa moeda — pequena, rara, desvalorizada — me fez lembrar de algo maior: a história de Mirthes Bernardes, a mulher que desenhou esse piso icônico e que, assim como essa moeda esquecida, nunca recebeu o devido reconhecimento.
Ela criou o padrão geométrico que reveste as calçadas de São Paulo, um dos maiores símbolos visuais da cidade. No entanto, seu nome ficou perdido no tempo, soterrado pelo descaso e pela apropriação de sua obra sem crédito. Todos pisam sobre sua criação, mas poucos sabem quem a desenhou.
Toda vez que um paulistano pisa nos ladrilhos pretos e brancos que desenham o Estado de São Paulo, está caminhando sobre a obra de Mirthes Bernardes. Em 1965, seu design venceu o concurso da prefeitura para padronizar as calçadas, mas sem que ela recebesse um centavo. Enquanto seu traço estampava roupas e canecas, ironicamente, começou a desaparecer do chão da cidade.
As calçadas de São Paulo são um legado, mas quem deu forma a esse mosaico urbano jamais recebeu um centavo de royalties por sua arte. E assim, seguimos caminhando sobre a injustiça, sem ao menos percebê-la.
A Apropriação da Obra – O Piso de Todos, o Crédito de Ninguém
O sucesso do piso paulistano não foi apenas uma questão estética. Sua resistência, facilidade de replicação e a forma como se integrou ao espaço urbano o tornaram um padrão consolidado. No entanto, enquanto a cidade se apropriava do desenho e o multiplicava, Mirthes Bernardes nunca recebeu o devido reconhecimento.
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Página interativa do livro Pior do que o Tédio sobre o piso paulistano e o esquecimento de sua criadora, Mirthes Bernardes. Um convite a explorar memórias soterradas. |
A arquiteta entrou com um processo na Justiça contra a prefeitura de São Paulo, reivindicando os direitos autorais sobre sua criação. Ela buscava, não apenas o reconhecimento, mas também uma compensação financeira justa pelo impacto de seu trabalho na identidade visual da cidade. O processo tramitou por anos, mas nunca resultou em royalties, indenizações ou qualquer retorno financeiro.
Enquanto a capital paulista exibia seu mosaico geométrico para o mundo, estampando postais, redes sociais e até produtos de design inspirados em sua padronagem, Mirthes ficou à margem, sem crédito, sem voz e sem qualquer benefício por sua criação.
A história dela expõe uma prática recorrente: o apagamento de criadores no espaço urbano. Grandes projetos arquitetônicos, artísticos e de design são frequentemente absorvidos pelo imaginário coletivo, mas quantas vezes seus criadores são lembrados? Quantos outros profissionais, como Mirthes, tiveram suas contribuições apropriadas sem o devido reconhecimento?
O Impacto Cultural e a Falta de Reconhecimento
O piso paulistano se tornou mais do que um elemento urbano; virou memória, cultura e identidade. Seus padrões geométricos aparecem em murais, tatuagens, estampas de camisetas, capas de livros e em qualquer lembrança visual da cidade. Ele foi apropriado como um símbolo paulistano, uma marca invisível que nos acompanha pelas ruas, sem que percebamos.
Mas esse reconhecimento nunca voltou para a criadora. O nome de Mirthes Bernardes não está nas placas de rua, nos livros de história da cidade ou nos créditos oficiais de São Paulo. Se há algo irônico nessa narrativa, é que sua criação sobreviveu a décadas de reformas e recapeamentos, enquanto seu nome foi varrido da memória urbana.
A ausência de reconhecimento escancara a falta de valorização de profissionais que dedicam sua criatividade ao espaço público. A cidade é construída por muitas mãos, mas poucas são lembradas. Se São Paulo tem um chão que conta histórias, por que a história de quem o criou foi deixada para trás?
O Piso Paulistano Hoje – Patrimônio sem Autor
Décadas se passaram, e o piso criado por Mirthes Bernardes continua sendo reproduzido, reformado e replicado em cada canto da cidade. Mas o apagamento de sua autoria permanece um símbolo da invisibilidade de muitos artistas e criadores que moldam o espaço urbano sem jamais receber os devidos créditos.
Seu caso nos leva a uma pergunta essencial: seria justo reparar esse erro? O que impediria a prefeitura de conceder um reconhecimento póstumo? Poderia haver um memorial, um registro oficial, um espaço que honrasse sua contribuição? Ou será que a cidade continuará pisando sobre essa injustiça sem olhar para baixo?
A luta de Mirthes pode ter sido silenciosa, mas sua criação continua gritando sob nossos pés.
A história de Mirthes Bernardes não é apenas sobre um desenho geométrico. É sobre a falta de reconhecimento, sobre o apagamento de artistas e sobre a forma como o espaço público absorve e esquece seus criadores.
Se o design e a arquitetura moldam a forma como vivemos, quem os cria deveria ser lembrado. Quem anda pelas calçadas de São Paulo deveria saber que, antes de serem um símbolo da cidade, esses ladrilhos foram traçados pelas mãos de uma mulher que nunca recebeu um centavo por sua obra.
Afinal, não há nada mais paulistano do que contribuir para a cidade e ser esquecido por ela.
A injustiça persiste: Mirthes não viu um centavo pelo uso de sua criação. Sua obra foi apropriada como padrão, reproduzida em contratos milionários de revitalização urbana, referenciada em projetos arquitetônicos e estampada na memória coletiva, mas sem que sua autora fosse devidamente lembrada.
Se a cidade decidiu que esse é um de seus símbolos, por que sua criadora não tem espaço na história oficial? O que impede São Paulo de reparar essa dívida?
Quem Pisa no Piso Paulistano Deveria Saber Quem o Criou
O caso de Mirthes Bernardes não é um episódio isolado, mas um reflexo da falta de reconhecimento ao trabalho criativo no espaço público.
A arte e o design urbanos dão identidade às cidades, mas seus autores muitas vezes são descartados, como se suas contribuições fossem anônimas. São Paulo é uma cidade construída por muitas mãos — mas quantos são lembrados?
Cada passo sobre o piso paulistano carrega um silêncio injusto. E agora que você sabe dessa história, pergunte-se: quantas outras obras já foram apropriadas sem que seus criadores fossem reconhecidos?
Mirthes Bernardes pavimentou São Paulo. E sua cidade deve a ela, no mínimo, um nome gravado na memória urbana.
As Tentativas de Homenagem – Um Consolo Tardio?
Demorou mais de 50 anos para que o nome de Mirthes Bernardes fosse lembrado pela cidade que ela ajudou a moldar. Em 2019, uma pequena tentativa de reparação foi feita: a Escadaria Mirthes Bernardes, no bairro de Pinheiros, foi inaugurada como um tributo à arquiteta e artista que desenhou o icônico piso paulistano.
A Escadaria Mirthes Bernardes, em Pinheiros, homenageia a criadora do icônico piso paulistano. Um tributo tardio a uma artista esquecida pela cidade que ela ajudou a moldar. |
Mas será que uma placa e alguns degraus coloridos podem corrigir décadas de descaso e invisibilidade?
A homenagem, embora justa, chega tarde demais para reverter o fato de que Mirthes nunca foi reconhecida legal ou financeiramente por sua criação. Enquanto seu piso estampava cartões-postais, virava símbolo urbano e fazia parte do imaginário coletivo, sua criadora morreu sem ver a cidade reconhecer seu trabalho.
E pior: mesmo depois da homenagem, a maioria dos paulistanos ainda desconhece seu nome.
Um Problema Sistêmico: O Brasil Apaga Seus Criadores
O caso de Mirthes Bernardes não é uma exceção, mas uma regra.
No Brasil, artistas, designers e arquitetos têm suas criações apropriadas sem o devido crédito ou retorno financeiro. Obras urbanas viram patrimônios públicos, enquanto seus criadores são apagados da história oficial.
Outros exemplos incluem:
Athos Bulcão, cujos painéis icônicos de Brasília muitas vezes são reproduzidos sem atribuição.
Zanine Caldas, arquiteto e designer cujas construções sustentáveis foram copiadas sem reconhecimento.
Lina Bo Bardi, que passou décadas sem receber o devido prestígio por sua obra-prima, o SESC Pompeia.
Mirthes Bernardes apenas se soma a essa lista de criadores invisibilizados.
O Piso Paulistano Hoje – Patrimônio Sem Autor
Enquanto a cidade continua se expandindo, o piso paulistano segue sendo reproduzido e reformado sem nenhuma referência à sua criadora.
As gestões públicas seguem usando seu design sem necessidade de crédito ou compensação, perpetuando a apropriação de um trabalho artístico que, se estivesse protegido, teria rendido a Mirthes milhões em royalties.
Se Mirthes Bernardes não pode mais reivindicar seu reconhecimento, cabe à cidade fazer isso por ela.
Quem Pisa no Piso Paulistano Deveria Saber de Sua Criadora
O caso de Mirthes Bernardes não é isolado. São muitos os artistas, designers e arquitetos que moldam a identidade visual das cidades, mas têm seus nomes apagados pela burocracia e pela apropriação institucional.
É fundamental refletirmos sobre o reconhecimento de criadores urbanos enquanto ainda estão vivos, garantindo que sua contribuição não se perca na história.
O design e a arquitetura pública impactam diretamente a forma como vivemos a cidade. No entanto, quem os cria dificilmente vê o retorno desse impacto.
A história do piso paulistano é um retrato da relação entre arte, espaço público e invisibilidade de seus criadores. Quem pisa nele deveria, no mínimo, saber quem o desenhou.
Vídeo recomendado:
Para entender mais sobre a trajetória de Mirthes Bernardes e a criação do icônico piso paulistano, assista ao documentário e entrevistas disponíveis:
Fontes:
SP da Garoa:
"O adeus à Mirthes Bernardes, criadora do Piso Paulista"
O Melhor de Sampa: "ESCADARIA MIRTHES BERNARDES"
Medium: "Mulheres do Design: Mirthes Bernardes e o piso paulista"
Wikipédia: "Mirthes Bernardes"
A Vida no Centro: "Mirthes Bernardes: o último passeio da Dona da Calçada"
Museu de Arte da UFC: "Mirthes Bernardes"
Pro Coletivo: "Você sabe quem criou o piso símbolo de SP?"
Blog da Arquitetura: "Quem criou o 'Piso Paulista', a tradicional calçada de São Paulo?"
Grand
Hyatt São Paulo Blog:
"Arte e Cultura: explorando os símbolos de São Paulo com Mirthes
Bernardes"
Folha
de S.Paulo:
"Mortes: Foi a criadora das calçadas com figura do estado de SP"
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