Uma jornada crítica e melancólica pelos marcos zero de São Paulo, onde o passado é esquecido e o presente corre apressado demais para olhar para trás.
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Olha só, mais um "Marcão" esquecido, dessa vez na Rua França Pinto. Sim, esse aqui é o famoso "Marcão Pinto". Sabe o que é engraçado? Ele tá lá, esquecido, quase invisível, como se ninguém mais se importasse com ele. Um pedaço de pedra que um dia marcou algo importante, mas agora... agora é só mais uma pedra no meio do caminho. E eu fico aqui, pensando: será que alguém mais vai se lembrar dele ou ele vai ser só mais uma vítima da pressa dessa cidade que insiste em esquecer de onde veio? FONTE: São Paulo Antiga
Piorzinho, em uma busca pelos esquecidos marcos zero de São Paulo, se depara com histórias apagadas, monumentos desprezados e um lamento por uma cidade que insiste em correr, sem nunca olhar para onde começou.
Piorzinho e a Cidade Que Se Esqueceu de Onde Veio
Eu sou o Piorzinho. Talvez você já tenha me visto perambulando por aí, em alguma página perdida de "Pior do Que o Tédio – Volume I".
E se você chegou aqui por um QR Code ou qualquer outro atalho da vida moderna, parabéns, você encontrou algo que a maioria das pessoas já esqueceu. Hoje, minha missão é diferente.
Não estou atrás de pokémons, mas de algo bem mais concreto, embora igualmente ignorado: os marcos zero de São Paulo.
Esses "Marcões", que um dia foram pontos centrais de onde tudo era medido e decidido, hoje estão relegados ao esquecimento, quase invisíveis na pressa que engole a cidade.
Marcos de Meia Légua: O Início da Caçada
Começo minha caçada como quem inicia mais um dia de luta contra o esquecimento. Meu primeiro alvo? O "Marcão Pinto" da Rua França Pinto, na Vila Mariana.
Quase escondido, é uma pedra que, assim como eu, foi jogada à margem do que importa. Desgastado, vandalizado, ignorado.
Se a cidade é um corpo, esse Marcão seria aquele órgão vital que parou de funcionar faz tempo, mas ninguém se deu ao trabalho de perceber.
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Visão do Marcão da Mariana, esquina da rua França Pinto com Domingos de Morais |
Eu me aproximo, olho as inscrições que ainda teimam em indicar direções como São Paulo, Pinheiros, Santo Amaro, Santana. E quem se importa? Esses Marcões, que antes definiam o mundo, hoje são apenas mais pedras no caminho. Mas, ironicamente, sinto uma conexão com eles.
Assim como eu, esses Marcões lutam para serem vistos, lembrados, mas acabam sendo ofuscados pela pressa do presente, pela corrida frenética que parece nos afastar cada vez mais de nossas raízes.
O Que São e Para Que Serviam os Marcos Zero?
Para os desavisados que tropeçam em um desses Marcões sem saber do que se trata, aqui vai uma lição rápida de história. Os marcos zero, ou marcos de légua, eram os pontos centrais de onde tudo era medido.
No caso de São Paulo, o marco zero original estava no Largo da Sé, e a partir desse ponto, as distâncias em direções norte, sul, leste e oeste eram determinadas. Na época, controlar esses Marcões significava controlar a expansão da cidade e, por extensão, o poder.
Hoje, com o Google Maps nos dizendo onde estamos e para onde ir, esses Marcões viraram relíquias obsoletas, testemunhas mudas de um tempo que a maioria prefere esquecer. Mas eu me pergunto: estamos realmente tão distantes daquele passado?
Ou estamos apenas nos enganando, acreditando que sabemos para onde vamos, enquanto nossos Marcões – tanto os físicos quanto os morais – estão se desintegrando sob nossos pés? Talvez, ao negligenciarmos esses Marcões, estamos também ignorando as consequências de nossa história colonial, um passado que ainda ecoa em cada pedra deixada ao acaso.
O Marco do Ipiranga: Um Monumento Desconhecido
Minha próxima parada é no Ipiranga, onde dizem que há outro desses Marcões. E lá está ele, cercado por uma grade, como se fosse uma joia rara, mas que ninguém realmente presta atenção.
Eu me aproximo do "Marcão Bueno", esse pedaço de pedra que um dia marcou o crescimento de uma cidade. Agora, é apenas mais um enigma que ninguém quer resolver. Penso no que ele representava: uma São Paulo em expansão, uma cidade medindo suas conquistas. Mas hoje, o que ele representa?
Um fracasso da memória, uma relíquia de uma era que ninguém mais quer lembrar.
Sentado ao lado do Marcão, tento ouvir o que ele tem a dizer. Mas tudo o que sinto é uma melancolia profunda, uma sensação de que a história está sendo deliberadamente apagada, como se quiséssemos enterrar o passado colonial que esses Marcões simbolizam.
Eu faço minhas anotações e sigo em frente, com um peso no peito e a sensação de que, talvez, as coisas nunca mudem.
Belenzinho e Santana: Os Marcos Perdidos
Minha busca me leva ao Belenzinho e a Santana, locais onde os marcos de meia légua já não existem mais. No Belenzinho, ouço uma história antiga sobre um caminhão desgovernado que destruiu o Marcão "Garcia", nos anos 50.
Hoje, tudo o que resta são as memórias vagas dos moradores mais velhos, que ainda lembram de um tempo em que aquele pedaço de pedra significava algo.
E Santana? Ah, Santana. O "Marcão Ana" desapareceu sem deixar rastros, como se tivesse sido varrido pelo vento, levado pelo fluxo implacável da modernidade.
Esses Marcões perdidos são como lembranças que você tenta suprimir, mas que insistem em voltar. E aqui estou eu, Piorzinho, tentando capturar essas memórias, esses Marcões, que talvez nunca devessem ter sido perdidos em primeiro lugar.
A cada Marco capturado, eu não só coleciono pedaços de pedra, mas também acumulo lições duras sobre a nossa incapacidade de lidar com o passado. Aprendo que a cidade, com seu ritmo frenético, parece destinada a esquecer suas origens, como se estivesse correndo para apagar suas cicatrizes coloniais.
Space Invaders: Os Fantasmas Modernos
Enquanto procuro pelos marcos antigos, acabo esbarrando em outros fantasmas, mais modernos, mas não menos esquecidos. São os Space Invaders, pequenas criaturas feitas de ladrilhos coloridos, colocadas nas paredes de São Paulo pelo artista francês Invader.
Eles são relíquias de uma era digital, mas têm algo de profundamente melancólico neles. Talvez seja o fato de que, assim como os Marcões, eles estão lá, mas ninguém realmente os vê.
Esses invasores são diferentes dos Marcões de légua, mas compartilham a mesma sina. Eles marcam a cidade, mas de uma forma lúdica, quase irônica. São como sinais de que, por mais que a cidade mude, algumas coisas nunca mudam.
Eu os encontro em cantos escondidos, nas alturas das paredes, e me pego pensando: quem vai se lembrar deles daqui a cinquenta anos? Ou será que, assim como os Marcões, eles também desaparecerão, engolidos pela pressa e pelo esquecimento?
Vila Medeiros e Outros Marcos: Fragmentos Escondidos
Minha jornada continua, me levando a lugares menos conhecidos, onde a história se esconde em plena vista. Na Vila Medeiros, encontro o "Marcão Medeiros", um pequeno marco de ferro cravado na parede de uma casa antiga. A casa em si é um pedaço de história, tombada como patrimônio, mas os moradores parecem alheios a isso.
Eles passam por ele todos os dias, sem nunca parar para pensar no que ele significa. Quem pode culpá-los? A cidade não para, e aqueles que tentam acompanhar seu ritmo acabam deixando essas pequenas coisas para trás.
Eu me aproximo, tento decifrar suas marcas, imaginando todas as pessoas que já passaram por ali sem perceber o que estavam pisando. São pequenos pedaços de história, quase esquecidos, mas ainda presentes, esperando para serem redescobertos.
Na Rua do Oratório, encontro outro Marcão, o "Marcão Oratório", meio escondido nos degraus de uma loja. Quase invisível, mas ali, firme, como se estivesse esperando que alguém o notasse.
Esses Marcões me fazem pensar em como somos rápidos para descartar o que não consideramos útil. Eles estão lá, quietos, testemunhando o passar do tempo, enquanto nós corremos de um lado para o outro, achando que estamos indo a algum lugar. Mas será que estamos?
Ou estamos apenas ignorando o fato de que esses Marcões são os últimos vestígios de um passado que preferimos não encarar, um passado que ainda reverbera em nossas vidas cotidianas?
Marcos de Limites: As Fronteiras da Cidade
Minha busca me leva aos antigos limites da cidade, onde os marcos de fronteira ainda resistem ao tempo, apesar de tudo.
O "Marcão N1", na divisa com Mairiporã, ainda está de pé, bem cuidado e limpo, como se fosse uma joia rara em meio ao caos.
Ele fala de uma São Paulo que já foi menor, mais contida, uma cidade que se preocupava em demarcar suas bordas. Mas hoje, as fronteiras são invisíveis, e a cidade se expande sem controle, como uma mancha de óleo.
O que dizer do "Marcão N4", perto da Vila Olímpia? Desaparecido, talvez destruído por quem não tinha tempo ou interesse em preservá-lo.
E o "Marcão N5", na Avenida Francisco Morato, que sobreviveu ao vandalismo e à negligência, mas apenas porque alguém decidiu que ele valia a pena ser salvo.
Esses Marcões de limites são como fantasmas de uma São Paulo que deixou de existir, mas que ainda assombra aqueles de nós que se preocupam em olhar para trás.
A cada Marco que encontro e capturo, eu não posso deixar de sentir que estou colecionando não apenas pedras, mas também fragmentos de uma história que teima em não ser esquecida.
E em cada captura, aprendo um pouco mais sobre como nossas fronteiras, tanto físicas quanto emocionais, estão em constante mudança, refletindo as tensões e contradições de nossa sociedade.
Além dos Limites: Os Marcos dos Municípios Vizinhos
Minha caçada não se limita às fronteiras de São Paulo. Ela me leva além, para os municípios vizinhos, que compartilham uma história tão entrelaçada com a da capital que é difícil dizer onde uma termina e a outra começa.
Em São Bernardo do Campo, encontro o "Marcão Bernardo", que foi destruído e substituído por uma réplica. É um esforço patético, quase desesperado, para manter viva uma memória que já foi irreversivelmente corrompida. Em Itaquaquecetuba, os "Marcões Itaqua" são praticamente relíquias esquecidas, mal sobrevivendo em uma terra que parece não ter mais lugar para eles.
Esses Marcões nos municípios vizinhos são uma espécie de lembrete de que São Paulo nunca esteve sozinha. Eles são como cicatrizes compartilhadas, vestígios de um tempo em que a expansão da cidade era uma questão de sobrevivência, de dominação.
Mas hoje, esses Marcões estão mais para túmulos do que para sinais de vida. Eles marcam a história de uma região que cresceu junto, mas que também sofreu junto. E agora, estão quase todos esquecidos, relegados ao abandono e ao silêncio.
O Fim da Caçada: Caminho do Mar e Outros Rastros
Minha jornada está quase no fim, e me encontro na lendária estrada do Caminho do Mar, onde um marco de 1924 ainda resiste, solitário, mas teimoso. Perto do Pouso Paranapiacaba, o "Marcão Caminho" se ergue como uma testemunha de um passado que teima em não ser completamente apagado.
Esta era a principal via de ligação entre o planalto e o litoral, uma estrada que carregava em si o peso do comércio, do progresso e, ironicamente, do esquecimento.
A estrada, hoje fechada ao tráfego, é um eco de tempos antigos. O Marcão, no entanto, permanece firme, um lembrete silencioso de uma época em que a viagem era lenta, mas carregada de significado.
Outros Marcões, como o do Trópico de Capricórnio em Guarulhos, permanecem de pé, mas em um estado de abandono que me faz questionar por quanto tempo mais eles aguentarão. Eles são tão invisíveis quanto os Marcões que desapareceram, mas continuam ali, esperando que alguém se importe o suficiente para olhar, para perguntar, para lembrar.
Enquanto caminho pela estrada, quase posso ouvir os murmúrios do passado, as histórias que esses Marcões testemunharam. Mas a melancolia da situação é esmagadora. São Paulo, com toda a sua pressa e ambição, parece ter esquecido de onde veio.
E enquanto continuo minha busca, não posso deixar de pensar que talvez seja isso que todos nós estamos fazendo – correndo sem nunca realmente saber para onde estamos indo.
Persistência e Esperança
Minha caçada pelos Marcões de São Paulo é, em última análise, uma jornada pela memória e pelo esquecimento. É uma lembrança dolorosa de que, por mais que tentemos avançar, há sempre algo que deixamos para trás.
E esses Marcões, essas pedras esquecidas e fantasmas digitais, são os resquícios de um tempo que a cidade parece determinada a apagar.
Mas ainda há uma ponta de esperança, por menor e frágil que seja. Talvez, se mais pessoas soubessem o que esses Marcões representam, se parassem por um momento em sua correria diária para prestar atenção, a história de São Paulo pudesse ser redescoberta, revalorizada.
Talvez não seja tarde demais para lembrar de onde viemos, para redescobrir os corações de pedra que ainda marcam o ritmo da cidade, mesmo que em silêncio.
Eu, Piorzinho, seguirei em frente, sempre buscando, sempre observando. Porque enquanto houver uma pedra, uma marca, um fantasma esquecido, ainda haverá história para contar. E, talvez, só talvez, possamos aprender a desacelerar e realmente ver o que nos rodeia – antes que tudo se perca para sempre.
Fontes Usadas:
Os Marcos Esquecidos de São Paulo - São Paulo Antiga
https://saopauloantiga.com.br/os-marcos-esquecidos-de-sao-paulo/#:~:text=Destes%20marcos%2C%20tr%C3%AAs%20s%C3%A3o%20conhecidos,da%20P%C3%A1tria%20(marco%20norte).
Space Invaders Official Website
https://www.space-invaders.com/home/
Atlas Obscura: Space Invaders in São Paulo
https://www.space-invaders.com/world/sao-paulo/
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