Como a obra de Chico Chico reflete a luta interior e o contraste da vida urbana no Brasil contemporâneo.
Entre prédios e sentimentos, Chico Chico constrói uma narrativa sensível e inquietante, ecoando a angústia de uma geração atravessada pela dureza da cidade e a profundidade do coração humano.
O Cavalo de Ferro e as Ruas de Concreto
Chico Chico, artista que carrega o peso e a leveza de sua linhagem musical – filho da icônica Cássia Eller –, entrega em “Entre Prédios” uma radiografia lírica do corpo que resiste no caos urbano. A canção é um poema de deslocamento: entre o concreto e a carne, entre o externo e o interno, entre a cidade e o peito. Com sua voz carregada de emoção e versos que soam como confissões, Chico nos convida a montar no "cavalo de ferro" e navegar por ruas que não apenas cortam a cidade, mas também nosso ser.
O cavalo de ferro, metáfora que evoca a modernidade – seja uma bicicleta, uma moto, ou mesmo um trem – carrega não apenas o corpo, mas também as marcas invisíveis das mudanças de clima e temperamento. Essa mobilidade mecânica contrasta com a imobilidade emocional de um “bolso embaçado” e de uma “fala arrastada”, símbolos de uma luta silenciosa para sobreviver à dureza da cidade.
O Corpo Fechado: Escudo ou Prisão?
A ideia do “corpo fechado” surge como um escudo contra a hostilidade urbana, mas também como uma prisão que impede a expressão plena. Chico canta sobre a dificuldade de “dizer direito das coisas do peito”, uma frase que ressoa como um grito abafado por buzinas, arranha-céus e rotinas mecânicas. Essa luta com a comunicação não é apenas uma questão individual, mas um reflexo da alienação coletiva que as cidades grandes impõem.
“Na cidade, não no interior” é o mantra que reverbera ao longo da música, um contraponto entre o ritmo frenético da cidade e a ideia idealizada do interior, onde o tempo corre mais devagar. A repetição desses versos cria uma sensação de ciclicidade, como se estivéssemos presos em um trânsito eterno entre o lugar que habitamos e o lugar que desejamos estar.
Mudanças de Clima e Temperamento: Um Espelho da Cidade
Chico Chico observa a cidade como um organismo vivo, cujas mudanças de clima e temperamento refletem as oscilações internas de seus habitantes. O calor do asfalto, o frio das noites de concreto, a tensão no ar que antecede uma chuva – todos esses elementos urbanos dialogam com os sentimentos humanos, tornando a cidade um espelho ampliado da alma.
Em sua obra como um todo, Chico Chico frequentemente constrói canções que exploram essas relações entre espaço e emoção. Seu álbum Pomares é um exemplo de como ele transita entre o bucólico e o urbano, costurando cenários que revelam a luta por pertencimento. “Entre Prédios” é a culminação dessa busca, onde a atenção minuciosa às nuances do dia a dia transforma o ordinário em poesia.
Uma Cidade Dentro do Interior
Embora Chico afirme que está “na cidade, não no interior”, há uma cidade interna pulsando dentro de cada um de nós. Esse paradoxo, em que o urbano e o íntimo se fundem, é central na poética de Chico Chico. É como se a cidade fosse mais que um cenário: ela é uma extensão de nosso próprio corpo, e cada rua, prédio e esquina são partes de um labirinto emocional.
Ao mesmo tempo, a música sugere uma busca por presença – “muito mais dentro, muito mais atento” –, como se Chico nos convidasse a enxergar além das fachadas e da pressa cotidiana. Essa presença, no entanto, não é confortável; ela exige enfrentamento, exige atenção às mudanças e aos detalhes que muitas vezes preferimos ignorar.
Chico Chico e a Nova Geração da MPB
Chico Chico é parte de uma nova geração de artistas que carrega a herança da MPB, mas com uma abordagem que mistura tradição e ruptura. Seus versos, cheios de imagens cotidianas e reflexões existenciais, dialogam com o legado de sua mãe, Cássia Eller, e com contemporâneos como Tim Bernardes e Liniker.
“Entre Prédios” é um exemplo de como ele utiliza a cidade como metáfora para explorar questões universais: isolamento, comunicação, pertencimento e resistência. Assim como as ruas de São Paulo ou do Rio de Janeiro – onde o caos e a beleza coexistem –, sua música encontra equilíbrio entre a crueza e a delicadeza.
Resistir Entre Prédios: A Luta de Cada Dia
A resistência implícita em “Entre Prédios” é tanto política quanto poética. Ao descrever a luta para “dizer direito das coisas do peito”, Chico também está falando sobre a resistência em não sucumbir ao silêncio, em não permitir que a cidade esmague completamente o que ainda resta de humano.
Essa luta é representada em sua discografia por canções que exploram as complexidades do amor, da identidade e da política, sem nunca perder o lirismo que o caracteriza. Em tempos de concreto e individualismo, Chico Chico nos lembra da importância de sentir, de estar atento, de manter viva a poesia mesmo em meio ao caos.
O Legado de "Entre Prédios"
“Entre Prédios” é mais do que uma música; é uma reflexão sobre a vida contemporânea, sobre as tensões e belezas que surgem quando nos encontramos entre o que queremos ser e o que somos forçados a ser. É um convite para olhar para dentro, mesmo quando estamos cercados pelo externo, e para encontrar poesia no inesperado.
Chico Chico, com sua voz arrastada e seus versos cortantes, continua a construir um legado que ecoa muito além das ruas e prédios que inspiram suas canções. Ele é um contador de histórias de nossa época, transformando o cotidiano em arte e nos lembrando que, mesmo entre prédios, ainda há espaço para o coração.
E assim, entre mudanças de clima e temperamento, Chico Chico segue nos guiando pelas cidades que habitamos e pelas cidades que nos habitam, com a sensibilidade de quem sabe que a arte é um cavalo de ferro que nos leva sempre mais longe.
Letra:
Entre Prédios
(Chico Chico)
Warner Chappell Music
Eu e meu cavalo de ferro
Entre prédios
Eu e o meu corpo fechado
Meu bolso embaçado
A minha fala arrastada
De quem não sabe
Dizer direito
Das coisas do peito
Das coisas do peito
Das coisas do peito
Eu e o meu corpo entrelaçados
Na cidade, não no interior
Na cidade, não no interior
Na cidade, não no interior
Mas ainda assim dentro
Muito mais dentro
Muito mais atento
A mudanças de clima
E temperamento
A mudanças de clima
E temperamento
Na cidade, não no interior
Na cidade não, no interior
Na cidade, não no interior
Na cidade não, no interior
Mas ainda assim dentro
Muito mais dentro
Muito mais atento
A mudanças de clima
E temperamento
A mudanças de clima
E temperamento
Na cidade, não no interior
Na cidade não, no interior
Na cidade, não no interior
Na cidade não no interior
Na cidade não, no interior
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