Como São Paulo virou uma fila com CEP
Em setembro de 1911, antes mesmo de existir a Marginal, o Waze ou a arte de buzinar por esporte, São Paulo já batia ponto no que viria a ser sua verdadeira vocação: parar.
A cidade, então com uma frota modesta de aproximadamente 300 veículos motorizados, resolveu colocar um terço deles — cerca de cem — pra rodar na mesma noite. O evento? A inauguração do Teatro Municipal. A peça? Hamlet. A tragédia? O trânsito.
Foi nesse cenário digno de Shakespeare que a capital deu à luz ao seu primeiro congestionamento histórico. Barão de Itapetininga travada. Viaduto do Chá virando caldo. Xavier de Toledo parando por excesso de entusiasmo e rodas.
Era o começo. Mas parecia já o meio.
Em 1911, São Paulo tinha 240 mil habitantes. Quatro rodas ainda causavam mais admiração do que raiva. Dizem que, em 1893, quando os primeiros carros apareceram, as pessoas abriam a janela pra ver. Hoje, abrem a boca pra xingar.
Em 1903, saiu o primeiro “manual do bom condutor” da Pauliceia. A regra era clara e, pasme: não podia correr mais que um homem andando — ou seja, lá pelos 17 km/h nas ruas centrais. Corte pra 2010, pico das 17h às 20h, velocidade média: os mesmos 17 km/h.
Nada como um século pra manter as coisas no mesmo lugar.
A lentidão virou sistema.
Em 1925, com a chegada dos ônibus, começou a briga de trânsito: motorneiros x motoristas. Bonde x buzina. Pontos de parada viraram pontos de disputa. O asfalto, um ringue.
Na década de 1950, São Paulo tinha 50 mil carros e um formato mais compacto — tipo bolacha. Hoje, com 11 milhões de habitantes e quase 7 milhões de veículos, virou bolo esfarelado, crescendo pra todo lado e parando por inteiro.
Os urbanistas bem que avisaram: espalhou demais, rodou de menos.
1958: o Brasil entra na era da indústria de bens duráveis e todo mundo ganha o direito de ter um carro. Mas ninguém pensou onde enfiar. E o transporte público? Esse foi sendo deixado pelo caminho, igual guarda-chuva em ponto de ônibus.
Nos anos 90, o colapso acelerou. A média de lentidão, segundo a CET, saltou de 40 km para 120 km em dez anos. Em 1996, veio o rodízio — primeiro pra salvar os pulmões, depois pra salvar os nervos.
Veio também a explosão das motos. A pressa criou dois tipos de paulistanos: os que se arrastam e os que se arriscam.
E o detalhe poético: a sede da CET fica justamente na esquina do Municipal. Onde tudo travou pela primeira vez. Onde São Paulo decidiu que andar não era tão necessário.
Desde então, a cidade se move... no tempo do atraso.
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